As apresentações e debates realizados por iniciativa da ABA no transcorrer do encontro de profissionais ligados ao trade marketing, nos dias 17 e 18 de outubro, no Teatro Jaraguá, em São Paulo, colocaram em evidência tanto o crescente interesse das empresas em torno do assunto como a falta de um entendimento claro e uniforme a respeito do escopo, objetivos, estrutura e ações capazes de garantir a máxima efetividade dessa nova (?) função.
Como afirmei no bojo da palestra que conduzi na abertura do dia 18, parece claro que o trade marketing, no Brasil, hoje, está no mesmo estágio em que estiveram o marketing, por volta de 1965, e a qualidade no início dos anos 90. Perguntam:– De que se trata?– Como implementar com efetividade (vale dizer: melhor, mais depressa e mais economicamente)?
Dizia-se, tanto para marketing quanto para qualidade, tratar-se de conceitos que deveriam permear toda a organização. Não de novos departamentos. No entanto, em grande parte das empresas, montaram-se os departamentos e não se assumiram os conceitos, nem as melhores práticas.
O trade marketing está na mesma rota de risco, obscurecido por duas perspectivas viciadas:1 - Que ele trata, exclusivamente, de ações promocionais ou de relacionamento com o consumidor nos pontos de vendas.2 - Que ele é uma atividade de pós-venda, que pode ter o apoio da área de vendas, mas que não envolve seu comprometimento pleno.
Muitas empresas estão contratando “coordenadores” de trade marketing com a responsabilidade de orientar e comandar as equipes de promotores(as) ou demonstradores(as) para “fidelizar” o consumidor através de ações nos pontos-de-vendas.Outras, inclusive mediante conselho e assistência de consultores, estão montando departamentos mais bem aparelhados – em nível de gerência –, não subordinados nem a marketing nem a vendas, mas em nível hierárquico inferior ao ocupado na estrutura da empresa por esses departamentos.
Nos dois casos está fora de foco o conceito fundamental que a função de trade marketing tem como alvo o trade; que sua responsabilidade-chave deve ser a conquista, a fidelização e o aumento da eficiência dos canais de vendas da indústria.
Com esses vieses, o trade marketing não será capaz de entregar todo seu potencial de mudança nos processos de relacionamento da indústria com seus canais de vendas. Foi necessário mais de um século para a indústria perceber que as lojas são as vendedoras, não as compradoras, de seus produtos. No entanto, parece claro que muitas indústrias ainda não se deram conta disso. E que muitas lojas também não!Ao longo de séculos, e em grande aceleração a partir da Revolução Industrial, a relação entre a produção e o consumo vem sendo intermediada pelos canais de vendas. Os canais eram vistos e tratados como “o fim da linha” do esforço de vendas da indústria. Como os “clientes” da indústria. A propaganda foi o primeiro canal de comunicação direta a estabelecer-se entre a produção e o consumo. Mas os fabricantes continuavam a “vender para as lojas”. As promoções no ponto-de-venda logo vieram amparar os esforços da propaganda, ajudando as lojas a vender os produtos anunciados. Mas os fabricantes continuavam a “vender para as lojas”.Ao longo das últimas décadas, acompanhando a evolução da concorrência por espaços nas lojas e pela preferência dos consumidores, os fabricantes têm se esmerado na montagem do tripé produto, preço e promoção, ampliando seus esforços de desenvolvimento de produtos, propaganda e promoção, tendo em vista a conquista, não só das preferências dos consumidores, mas a garantia de seu exercício, através da preferência dos revendedores. No entanto, os esforços, não raramente isolados, de vendas, propaganda e promoção nos pontos-de-vendas vêm perdendo produtividade na medida em que a competição aumenta e em que o “poder de barganha” deriva das mãos da indústria para as grandes redes varejistas e, mesmo, para os médios e pequenos revendedores, organizados em cooperativas de compras.
Já não basta fazer vendas, depois propaganda, depois promoção e merchandising. O conceito de trade marketing precisa evoluir para unificar os esforços dos fabricantes em todos os capítulos da distribuição e do composto promocional, em condições de assegurar a presença contínua e favorecer o giro de seus produtos junto aos canais revendedores atacadistas e varejistas.Para fazer isso com máxima eficácia e eficiência, o trade marketing precisa utilizar três grandes pontos de apoio.
1 - Um sistema de inteligência, capaz de subsidiá-lo com informações sempre atualizadas sobre: curvas de concentração da distribuição em contribuição para o faturamento, curvas de concentração da distribuição em contribuição para a lucratividade, potencial revendedor estático – participação do produto em cada loja (posição competitiva), potencial revendedor dinâmico – perspectivas e ritmo de evolução por loja, referenciais de desempenho no varejo e índices de produtividade por loja, processo fecisório e influenciadores da decisão em todos os canais de vendas, análise de posição e movimentos da concorrência, e eleição de benchmarkings para a excelência de desempenho nos canais de vendas.
2 - Uma nova proposta de distribuição (muito mais do que vendas de produtos para as lojas) capaz de garantir: cobertura intensiva da rede, atualização permanente de informações para o sistema de inteligência, negociação de suprimento e reposição de estoques no varejo, equalização da distribuição, negociação de esforços cooperativos para escoamento dinâmico dos estoques, acesso e desenvolvimento de posição junto aos influenciadores da decisão nas revendas, apresentação de propostas e projetos diferenciados para a melhoria dos processos de vendas OTC, construção de “alianças estratégicas” com a revenda e celebração de contratos para suprimento e reposição automática de estoques no varejo.
3 - Serviços próprios e terceirizados, de alto nível, para a criação e execução de: campanhas de propaganda dirigidas ao trade, propaganda direta e cooperativa dirigida ao consumidor, informação tempestiva ao trade sobre as campanhas de propaganda e proposta de iniciativas de tie-up, calendário promocional, pacotes promocionais periódicos de orientação, apoio e estímulo. tie-up dos esforços de propaganda e marketing promocional, visual merchandising e in store marketing, marketing de incentivo, treinamento de atendentes do varejo e reinamento de outros profissionais da rede.Nessa proposta, fica evidente que os atuais departamentos de vendas das industriais não podem ser simplesmente “parceiros” do esforço de trade marketing e, muito menos, seus observadores passivos ou beneficiários. Nem poderia ser de outra forma. Imagine que sua empresa tivesse interesse em conquistar, fidelizar e promover o aumento contínuo da eficiência de toda sua rede de estabelecimentos revendedores, atacadistas e varejistas. A quem você entregaria essa responsabilidade? Aos poucos novos funcionários recém-contratados ou aos cem, duzentos ou mais vendedores que, todos os dias, visitam os milhares de revendedores e a seus gerentes e diretores que têm muito mais poder dentro da empresa? Abri essa pergunta aos participantes do fórum e sua resposta foi unânime:
– Ao departamento de vendas!
A garantia da efetividade do trade marketing exige: a definição, clara e inequívoca, do objetivo do trade marketing como sendo o processo de conquista, fidelização e aumento da eficiência dos canais de vendas (responsabilidade-chave da força de vendas). A transformação de cada componente da força de vendas (vendedores, supervisores e gerentes) em autênticos trade marketeers, reciclando suas responsabilidades e competências, a substituição progressiva das abordagens voltadas para a “venda de produtos” por abordagens voltadas para a venda de idéias e planos comerciais específicos e continuamente renovados, o envolvimento dos revendedores em todos os esforços programados de “selling-out” em regime cooperativo.
Muitos nutrem a ilusão de poder implantar uma área de trade marketing com a responsabilidade de “fidelizar os canais de vendas” sem mexer com as atribuições, responsabilidades e tarefas do departamento de vendas e dos vendedores. Outros ainda confundem a proposta de conquistar e fidelizar os canais de vendas com a proposta de “fidelizar os consumidores” no ponto de vendas. A maioria não sabe onde e como alocar o “novo departamento”:
1 - Abaixo de marketing?
2 - Abaixo de vendas?
3 - Em paralelo com marketing e vendas, no mesmo nível?
4 - Em paralelo com marketing e vendas, um nível abaixo?
Sugeri e sugiro, para superar essas dúvidas, que se lance mão do conhecido ditado: “Não dá para fazer uma omelete sem quebrar ovos”.A responsabilidade de conquistar, fidelizar e desenvolver a eficiência dos canais de vendas (do trade) só pode ser atribuída ao único departamento que tem força, gente e conhecimento do trade e de seus milhares de personagens: o departamento de vendas. Para encontrar a posição certa do trade marketing na estrutura da empresa, bastam três coisas:
1 - Determinar que vendas tem essa responsabilidade.
2 - Determinar um novo escopo para o trabalho de vendas (e treinar atarefar seus profissionais dentro desse escopo).
3 - Mudar o conceito de vendas para trade marketing.
O caminho mais curto para o encontro da estrutura ideal é dividir a atividade de marketing em duas grandes áreas: consumer marketing (com a responsabilidade de conquistar e fidelizar o consumidor final) e trade marketing (com a responsabilidade, associada à primeira, de conquistar, fidelizar e desenvolver a eficiência dos canais de vendas) incluindo, por óbvia, a responsabilidade de promover o suprimento e a reposição de estoques do varejo.
Roberto Lira Miranda (mirandaroberto@uol.com.br) é consultor empresarial e autor do livro Você vende para as lojas ou através das lojas?.